A
Princesa
Havia
num longínquo reino uma princesa, mais bela do que todas
as princesas. Dizia ela que só elegeria seu príncipe,
a quem daria o seu amor, àquele que escalasse a montanha
do gelo cristalino, mergulhasse no mar de coral, atravessasse
a floresta do arco-íris e o deserto do vento sussurrante.
Embora ela fosse a princesa das princesas e por todos amada, muito
poucos tentaram alguma vez o difícil desafio.
Então, veio um dia em que um nobre aventureiro, ouvindo
falar disso, juntou todas as suas forças e toda a coragem
e decidiu empreender a perigosa missão.
E subiu ao monte do gelo cristalino, mergulhou no mar de coral
e atravessou a floresta do arco-íris e o deserto do vento
sussurrante. Durante estas aventuras passou vários dissabores
e muito sofrimento; muito passou e por várias vezes ia
quase morrendo.
Em muitos momentos lhe haviam faltado as forças, mas nessas
alturas dizia para si mesmo: - Eu tenho de conseguir. Pela Princesa!
No fim, apresentou-se à princesa. Vinha ferido, envelhecido,
exausto.
- Consegui", disse, ajoelhando-se a seus pés.
- Conseguiste mesmo?", perguntou a princesa, deslumbrante
de alegria. - Então vá, conta-me depressa, o que
é que achaste da montanha de gelo cristalino? Que viste
lá de cima?
-Bem, Havia muita luz.
- Só isso?
- Bem... e vento também... Ah! E frio, evidentemente.
A princesa ficou um pouco menos alegre e, por momentos, uma sombra
de desapontamento ameaçou o brilho dos seus olhos. Mas
logo continuou com quase o mesmo entusiasmo:
- E então as outras coisas? Conta-me, que maravilhas viste
tu? O que sentiste? O que aprendeste? Que milagres se operaram
em ti?.
- Sabes, princesa, amo-te tanto que, durante estes anos, não
pensei senão em ti. Passei por tudo sempre com a ânsia
de chegar ao fim e te encontrar. Nem prestei atenção
a essas coisas de que falas, recordo das minhas viagens um interminável
sofrimento e muitas canseiras.
E, depois de um silêncio longo e pesado, acrescentou: -
Por vezes, as minhas pernas não queriam mais andar, as
minhas mãos recusavam-se a lutar e os meus olhos desistiam
de fixar a estrada. Então, mesmo assim, com a energia que
me restava, eu obrigava os meus olhos a fixar a estrada, impelia
as minhas mãos a lutar e forçava as minhas pernas
a caminhar.
Que o seu sofrimento o fazia merecedor do grande prémio,
não o disse, por dever de humildade, mas pensou-o.
A princesa estava agora muito triste.
- Meu amigo", disse, tu não me conheces. O que tu
amaste foi uma imagem que criaste de mim. No cimo do monte, não
reparaste que se via tão longe e coisas tão belas
que, por vezes, poderias ter-me visto a mim, numa das ameias do
meu castelo a fazer-te sinais? Não experimentaste a luz
indizível, que te teria protegido do frio e dado novas
forças para a viagem? E, diz-me, no mar de coral, não
brincaste com os meus amigos peixes? Eles ter-te-iam ensinado
o caminho mais seguro pela floresta e advertido para cada um dos
perigos dos enganos das mil cores. E na floresta? Porque te perdeste
e te deixaste enganar? Não escutaste o meu canto na voz
dos pássaros? Ele ter-te-ia ensinado porque é que
o deserto é deserto. E no deserto? Porque não recebeste
o meu consolo se eu mesma, disfarçada, fui ao teu encontro
para te ajudar?
O nobre, cheio de vergonha e raiva de si mesmo e do mundo, baixou
a cara em silêncio contido e partiu para a sua terra, onde
viria a morrer de desgosto pouco tempo mais tarde.
Anos depois, já toda a gente se havia esquecido daquela
triste história, um jovem camponês, solicitou no
portão áureo do palácio real, autorização
para falar com a princesa. A princesa, sempre bela e cheia de
amor, autorizou.
-Que queres de mim?", perguntou-lhe ela com olhos de compreensão.
- Nada senhora", respondeu-lhe sincero, apenas não
poderia deixar de cá vir, inflamado que estou de amor por
vós.
- Amor? E por amor de mim subiste tu à montanha do gelo
cristalino? Mergulhaste no mar de coral? Atravessaste a floresta
do arco-íris e o deserto do vento sussurrante?...
- Não, senhora. Nunca fiz nada disso. Na quinta onde trabalho
arduamente desde que nasci, o meu amo é muito severo, dá-me
imensas tarefas para fazer e deixa-me muito pouco tempo livre
para mim próprio. Mas, princesa, eu não me queixo.
Por vezes quando o vento sopra, parece-me poder ouvir o teu doce
e belo canto. Então, eu apuro os ouvidos o mais que posso
e ponho-me a escutar...
Mesmo que esteja ocupado com o trabalho, ainda assim escuto. Tento
trabalhar em silêncio e que tudo seja harmonia para não
interferir com as palavras que se entretecem na melodia da tua
voz. São palavras que eu não entendo, mas que tocam
fundo no meu coração e aí ficam como um tesouro,
um tesouro com vida, a arder devagarinho. O pouco tempo que tenho
livre ocupo-o a tentar pôr em prática o que entendo
do teu canto. E é só a ti que o meu coração
está eternamente grato pois, no deserto da existência,
sois a única fonte de vida. Porque o resto, senhora, e
descobri-o por vós, é feito de morte, mesmo que
pintado de cores que ainda parecem atraentes para a maior parte
dos homens.
A princesa não respondeu. Apenas sorria de serena alegria.
O camponês continuou: - Na longa caminhada, foi a vossa
força que me permitiu continuar. Quando eu procurava conhecer-vos,
foi o vosso canto que me desentupiu os ouvidos e a vossa luz que
me abriu os olhos. Foi a melodia da vossa voz que me transformou,
que derreteu o gelo que me endurecia o coração num
fogo que me consumiu por inteiro, queimando os véus que
me toldavam a alma. Todas as noites, no silêncio das horas
altas, eu subia até não ter espaço nem tempo
e, de lá de cima, deixava que os meus olhos pousassem na
vossa imagem real e na imagem do caminho que aqui me trouxe. Durante
o sono, maravilhosos sonhos davam-me notícias vossas, bons
conselhos e um alento e alegria imensa. Essa alegria acompanhava-me
sempre durante o dia e os bons conselhos protegeram-me de todos
os inimigos e adversidades.
- Senhora, eu não fiz nada; apenas deixei que tudo fosse
feito por vós. Querer eu algo de vós? Que mais posso
querer do que tudo o que já me destes?
Imensamente grato vos estou, Senhora".
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