Novalis
(1772-1801)
Hinos
à noite - Parte II
"Por que a manhã
deve sempre retornar? O despotismo do dia nunca terá fim?
A atividade profana consome a visita angélica da noite.
Nunca chegará o dia em que o sacrifício oculto do
Amor arderá eternamente? Veio o tempo da Luz; porém,
o domínio da Noite é eterno e ilimitado. A duração
do sono é eterna. Sono Sagrado, servo dedicado da Noite,
não se preencha de júbilo no trabalho mundano do
dia. Os tolos julgam-te mal, nada conhecendo do sono exceto a
sombra que lanças piedosamente sobre nós no crepúsculo
da noite real. Eles não te sentem no fluxo dourado das
videiras, no óleo mágico da árvore das amêndoas,
e no suco marrom do pomo da papoula. Eles não sabem que
és tu quem assombra o seio da bela dama, e transforma em
Céu a sua nobreza; jamais suspeitam que és tu, guardiã
do Céu, quem envia a eles as antigas histórias,
mensageira silenciosa dos segredos infinitos, portadora da chave
para a morada dos abençoados. "
Hinos
à noite - Parte V
Em tempos antigos
um Destino de ferro surgiu a reinar, com força implacável,
sobre as dispersas famílias humanas. Uma opressão
sombria envolveu suas almas ansiosas: a Terra não tinha
fronteiras, ainda era um lar para os homens e morada de deuses.
Sua estrutura misteriosa jazia desde eras eternas. Além
das colinas rubras do amanhecer, no seio sagrado do mar, reinava
o sol, aquele que tudo inflama, luminária viva. Era como
um velho gigante abraçando este mundo feliz. Aprisionados
nas profundezas jaziam os primogênitos da mãe Terra,
sem esperanças em sua fúria destruidora contra a
nova raça de deuses e seus parentes benévolos, os
homens. O abismo esverdeado e obscuro do oceano abrigava uma deusa.
Nas grutas de cristal as pessoas brincavam. Os rios, as árvores,
as flores e animais tinham a espiritualidade esperta do ser humano.
O vinho era doce, servido por jovens personificadas; havia um
deus nos vinhedos; uma deusa maternal, amável, cresceu
entre as folhagens douradas; a sagrada embriaguês do amor
era doce prece para a mais bela das deusas. A vida vagava através
dos séculos numa contínua primavera, uma festa sem
fim dos filhos do Céu, habitantes da terra. Todas as raças,
como crianças, adoravam a chama etérea, multiforme,
como a mais sublime entre as coisas do mundo.
Nada mais que uma
ilusão, um sonho horrível -
Algo temível avançou sobre o banquete feliz,
E deixou os espíritos numa consternação selvagem.
Os próprios deuses não conheciam respostas ou conselhos,
Para infundir consolo nos corações sufocados.
A senda do monstro era misteriosa e sem rumo,
Cuja fúria não se aplacava com preces e sacrifícios;
Era a morte que invadiu o banquete com medos,
Com angústia, dores cruéis e lágrimas amargas.
Agora separados eternamente de tudo
Que inclina o coração à felicidade fluente
do prazer,
Separados dos que amam, os corações partidos,
Em vão saudosos e em desespero sem fim -
Lutam em sonho tristonho,
Parecia que tudo era posse da morte profunda!
Que rompeu a vaga próspera da glória do homem
No rochedo inevitável da Morte.
Em vôo ousado,
vão ao alto as asas do Pensamento;
Os homens cobrem a coisa horrível com o manto da beleza:
Uma bela jovem apaga a vela, para dormir;
O fim aproxima-se suavemente, como o lamento do alaúde
do amante.
Uma sombra fria rasteja sobre a memória:
Assim dizia a canção, pois Miséria a movia.
Ainda indecifrável jaz a Noite interminável -
O símbolo solene de um Desejo distante.
O velho mundo entrou
em declínio. O jardim de delícias da raça
jovem definhou; mais acima, em regiões amplas e desoladas,
agora combatiam os homens maduros tendo abandonando a infância.
Os deuses desvaneceram-se junto a seu séquito. A natureza
jazia solitária e sem vida. O Número seco e a Medida
rígida aprisionaram-na com correntes de ferro. Envoltas
no ar e na poeira as inestimáveis florações
da vida fugiram para mundos obscuros. Fôra-se a Fé,
criadora de maravilhas, e aquele anjo que tudo une e transforma,
seu companheiro, Imaginação. Os ventos do norte
sopraram sobre aquela plaga tórpida, e a terra maravilhosa
primeiro gelou-se, e então evaporou-se no éter.
As profundezas distantes do Céu tornaram-se plenas em mundos
relampejantes. A alma do mundo, junto a todos seus poderes, ocultou-se
no santuário profundo, nas regiões mais puras da
mente, até que um dia desperte o alvorecer da glória
universal. A Luz não era mais a morada dos deuses, nem
o presságio celeste de sua presença: fôra
lançado sobre eles o manto da Noite. A Noite tornou-se
o grande berço das revelações; nela retornaram
os deuses, e adormeceram, persistindo em formas novas e gloriosas
no interior do mundo transfigurado. Entre o povo, antes perfeito
e bondoso, que havia se tornado zombeteiro e insolentemente hostil
diante da abençoada inocência da juventude, apareceu
o Novo Mundo, sob o disfarce nunca visto antes, de uma canção
abençoada de pobreza, filho de uma dama, uma mãe,
fruto eterno de enlace misterioso. A sabedoria oriental, profética,
florescente, de pronto reconheceu o surgimento de uma nova era;
uma estrela mostrou-lhes o caminho para o pobre berço do
rei. Em nome de um futuro distante, homenagearam-lhe com respeito
e perfumes, as mais elevadas maravilhas da natureza. Na solidão,
o coração celeste revelou-se para o cálice
em flor do amor grandioso, voltou-se para a face suprema do pai,
e repousou sobre o seio da mãe solene e doce. Com fervor
divino o olhar profético do filho contemplou os anos futuros,
previu, imperturbável sob o fardo terreno de seus dias,
a prole amada a surgir de sua árvore divina. As almas infantis
reúnem-se ao seu redor, e anseiam pelo amor verdadeiro,
maravilhosamente obtido. Como flores, elas desabrocham uma nova
vida em sua presença. Mundos que jamais se esgotam e boas
novas saem como faíscas de um espírito divino por
seus lábios benévolos. De uma costa distante veio
um bardo, nascido sob o céu claro de Hellas, para a Palestina,
e cedeu seu coração inteiro para a criança
maravilhosa:
Tu és o jovem cujas eras mantiveram por tanto tempo
Pairando sobre nossos túmulos, perdido entre as névoas
da imaginação;
Sinal na escuridão da boa-nova de Deus,
Quando madura a humanidade a colherá;
E é o que desejamos, e cultivamos com amor
E toda a desgraça perde o viço, o sentido;
A morte encontrou sua razão de ser na vida eterna,
Pois tu és Morte, e fizeste-nos totalmente unos.
Cheio de alegria, o bardo foi para o Industão, o coração
intoxicado com a doçura do amor, que expressou em canções
compostas sob aquele céu suave, de modo que milhares de
corações ajoelharam-se diante dele, e a boa nova
frutificou em uma infinidade de ramos. Logo depois da partida
do cantor, aquela vida preciosa foi entregue em sacrifício
pela profunda queda do homem. Ele morreu jovem, arrebatado do
mundo que tanto amava, de sua mãe chorosa, e seus amigos
temerosos. Seus doces lábios sorveram a taça amarga
de erros inexprimíveis. Em angústia horrível
aproximou-se o nascimento de um novo mundo. Ele combateu bravamente
os terrores da antiga Morte; grande foi o peso da antiga palavra
sobre ele. Porém, ele olhou suavemente para a mãe;
surgiu a mão libertadora do Amor eterno, e ele adormeceu.
Por alguns dias pairou um véu profundo sobre o mar revolto,
sobre a terra que tremia; lágrimas sem fim brotaram de
seus amados; o mistério desvendou-se: espíritos
celestes arrastaram a grande rocha da tumba obscura. Anjos observaram-no,
adormecido, desencorporado docemente em sonhos; ele despertou
em nova glória, Divinificado galgou ao cume do novo mundo
recém-nascido, enterrou com as próprias mãos
o antigo cadáver na cavidade abandonada, e com mão
suprema deitou sobre ela uma rocha que poder algum seria capaz
de remover novamente.
Seus olhos amados lacrimejam sobre a tumba lágrimas graves
de júbilo, lágrimas emocionadas, lágrimas
de graça eterna, sempre renovadas; com felicidade observam-no
a erguer-se novamente, e contemplaram seu lamento fervoroso e
suave sobre o seio abençoado da mãe, a andar em
comunhão pensativa com seus amigos, murmurando palavras
como que arrebatadas da árvore da vida; vêem a ti,
partindo saudoso para os braços do pai, levando consigo
a jovem Humanidade, e a inexaurível taça de um futuro
dourado. Logo a mãe juntou-se a ti em triunfo celeste,
e era a primeira pessoa contigo na nova morada. Desde então,
eras fluíram, e num esplendor sempre maior tens se dedicado
à nova criação, e milhares seguiram a ti,
em meio a dores e torturas, plenos de fé e desejosos pela
verdade, andam contigo e a virgem celestial no reino do Amor,
e serão para sempre teus, ministro do templo da Morte celestial.
A pedra é
elevada,
E toda a humanidade ergue-se;
Todos nós residimos em ti,
Desaparecemos em nossa prisão.
Todos os tormentos se foram
Diante da taça dourada;
Pois nem a vida nem o mundo podem estar
Na mesa em que ceamos com o Senhor.
Ao casamento a Morte convida;
E nenhuma virgem tarda;
As lamparinas queimam vistosas;
Sem necessitarem de óleo algum.
Teus pés ao longe despertam
Ecos em nossas sendas!
E as estrelas criam símbolos
E doces vozes!
Dez mil corações
aspiram
A ti, ó nobre mãe;
Nesta vida, carregados de tristezas,
Desejam apenas a ti;
Em ti esperam a cura;
Em ti esperam repouso seguro,
Quando, selando sua segurança,
Os abraçará contra teu peito.
Os que repousam
no inferno
Queimam desapontados,
Pois por fim, ao te verem
Fogem deste mundo:
E tu apareces em auxílio,
A nós, em meio às dores:
Agora estamos mais próximos de tua morada,
E nunca mais iremos embora!
Agora não
existem mais lágrimas
Que amor e preces junto aos túmulos;
O dom que o Amor concede
Não será mais roubado de ninguém.
Para apaziguar e aquietar a saudade
Vem a noite, e acalma os sábios;
A multidão de filhos do Céu nos envolve
Zela por nós e guarda nosso coração.
Coragem! pois esta
vida ruma
Para uma vida sem fim adiante;
O sentido, amoroso, aguardando,
Torna-se claro e forte.
Um dia as estrelas, caindo,
Devem fluir como vinho dourado:
E nós, sorvendo tal néctar,
Brilharemos como estrelas vivas!
Livre, o amor emerge
da tumba,
Para não morrer nunca mais;
Em plenitude, a vida eleva-se e ondeia
Qual mar sem limites!
Toda noite há uma deliciosa tarefa!
Uma ode de júbilo!
E o sol de todos nossos prazeres
É a face de Deus!
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